O editor sugeriu que eu abordasse a temática do câncer de próstata para esta edição do mês de novembro. Resolvi reeditar um texto que escrevi há 12 anos para que o leitor tire suas conclusões sobre o que mudou nesta década com relação à prevenção masculina ao câncer de próstata. Eis o texto.

         “No início deste ano (2008) um caso de câncer chamou a atenção da mídia: Nenê, jogador brasileiro de basquete junto ao Denver da NBA dos EUA, afastava-se das quadras e a privacidade exigia que, momentaneamente, não se divulgasse por qual motivo de saúde. Naturalmente várias especulações ocorreram até que se diagnosticasse o câncer de testículo. Muito se fala que o câncer que mais acomete o homem é o de próstata – correto – mas pouco se fala de câncer de testículo ou de pênis. Isso tem uma razão: em 2005, levantamento da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) mostrou que a incidência do câncer de próstata no Brasil é de aproximadamente 51 (cinquenta e um) casos novos a cada 100 mil habitantes, enquanto que para o câncer de testículo a ocorrência de 2 (dois) casos para cada 100 mil habitantes. (obs*: hoje, no ano de 2020 a média de câncer de próstata para o nordeste brasileiro é de 72 para cada 100 mil habitantes.) Ou seja, há muito mais casos de câncer de próstata entre a população masculina, o que o deixa mais divulgado. No entanto, o que pouca gente sabe é que há um tipo de câncer que pode levar à amputação do órgão genital masculino, o câncer de pênis. No Brasil, este câncer representa cerca de 2% do total de tumores no homem e é cerca de 5 (cinco) vezes mais comum nas regiões Norte e Nordeste em comparação às regiões Sul e Sudeste. Segundo a SBU estes casos têm estreita relação com baixas condições sócio econômicas da população masculina, onde a falta de cuidados com a higiene do pênis, e a falta de trato a pequenas rachaduras ou a leves ferimentos são apontados como corresponsáveis.

          O apelo no título deste artigo é para um sentimento: o de que o homem não deve ter vergonha para tratar destas questões, principalmente quando tal omissão pode pôr em risco sua vida, seus planos futuros, seus sonhos. Então, façamos uma breve reflexão sobre o que este sentimento pode significar. Há muita resistência (e folclore) quanto ao exame da próstata: piadas masculinas decorrentes, vergonha em assumir ter realizado o exame de toque, etc. Mais recentemente, exames laboratoriais (PSA sérico) têm postergado o de toque retal, minimizando o que para muitos homens é um constrangimento. Ora, foi apenas por ter realizado um exame de urina antidoping que Nenê, um jovem atleta de 25 anos de idade soube de seu diagnóstico e, o mais importante, conseguiu a tempo livrar-se do câncer de testículo. Não fosse isto, tivesse ele outra profissão que não exigisse tal cuidado com a saúde, como estaria hoje? Pela intervenção médica ocorrida em tempo, evitou-se a metástase, ou seja, com que as células cancerígenas se espalhassem pelo corpo e com isto que se agravasse ou comprometesse a saúde e a vida de Nenê.

          Chega de preconceitos! O espaço psicoterápico, muito mais acessível nos dias de hoje e que também luta contra seus próprios preconceitos (quem disse que psicólogos e psiquiatras são só para loucos?); é o ambiente propício para o acolhimento. Suspeitas de câncer tipicamente masculinos são negadas com muita frequência, evitadas de se falar, relegadas a um segundo plano. O homem pode passar a se dedicar intensamente ao seu serviço como se o trabalho fosse preencher esta lacuna que o impediria de pensar, de refletir e de tomar uma atitude frente a esta realidade. Não raro, em muitos casos, alguns “afogam-se na bebida” ou passam a viver frustrados e deprimidos. Um acompanhamento psicológico durante a fase laboratorial e ainda no pré/pós cirúrgico (quando for o caso) auxilia em muito ao homem a fortalecer-se para melhor superar momentos de dificuldades e de preconceitos como este.

          De nossa ilustração, o final feliz é que após os procedimentos clínicos que a situação exigia Nenê está recuperado. Na última semana de março retornou simbolicamente às quadras jogando o minuto final de uma partida de basquete: ‘Este minutinho que joguei foi um momento maravilhoso!’ – disse ele. Agora é preciso a realização de check-ups periódicos para observação, pois o câncer de testículo diagnosticado como foi, é curável em mais de 95% dos casos. Sua equipe, o Denver, venceu o jogo, enquanto que Nenê, empurrado pelas circunstâncias, venceu uma das partidas mais difíceis de sua vida.”

César Augusto – psicólogo

publicado em novembro 2020