Crescemos ouvindo que brasileiro tem samba no pé e que a ginga e o requebrado são atributos carnavalescos exclusivamente nossos. A cultura apropriou-se de tal forma do Carnaval que, assim como o futebol, nem lembramos de sua remota origem europeia, pois em intensa transformação o carnaval já teve significado ritualístico, religioso, de elitismo social nos clubes até chegar à modernidade como apelo turístico/cultural e de consumo, que rende dividendos a vários segmentos.

          Em que pesem todas estas variações do carnaval ao longo dos séculos, uma se manteve fiel à sua criação: o fato de ser um antídoto contra a tristeza. Na busca da felicidade a permissividade ocupa lugar de destaque, a fantasia ganha ares de realidade e tem de ser contagiante, pois, dizem, errado é não gostar de carnaval. Por isso argumenta o poeta, “…a gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho, para fazer a fantasia (…) para tudo se acabar na quarta feira…”, e ai cristaliza-se um conceito que passa a falsa impressão de que somente nos momentos de festas é que podemos ser felizes.

          A filosofia há séculos tem se ocupado sobre o que seja a felicidade, e a humanidade, a cada tempo, tem dado diversas explicações: para Platão era um atributo da alma, para Aristóteles era a aquisição de bens, e para muitas religiões era o resultado de uma atitude contemplativa. Em outros momentos, felicidade era considerada como uma questão de sorte.

          Por ser um sentimento de intenso valor subjetivo e desejado por todos, a felicidade pode ser descrita como algo multiforme, e o que pode ser assim reconhecido por uns pode não o ser por outros. A psicóloga paulista Suely Gevertz faz uma interessante consideração, ela coloca a felicidade como um objeto de conquista do ser humano, e não como um atributo inato, afirmando que ser feliz é uma possibilidade no percurso da vida, dizendo: “É justamente ao elaborar frustrações, enfrentar dores, infortúnios, pesares, prazeres e também alegrias que se pode reconhecer e atingir a felicidade – ainda que de forma não duradoura.”

          A felicidade como uma conquista pode ser uma concepção aceita na modernidade, mas isto requer uma ação, um movimento em sua direção. Esperar que com a chegada da festa (no caso, o Carnaval) ela venha junto, deixa bem clara a situação cômoda e passiva que pode até trazer uma alegria ilusória mas que tende a acabar na quarta-feira de cinzas. Podemos construir a cada dia um instante de felicidade, uma pequena conquista que nos motive a outras tantas que venham a melhorar nossa qualidade de vida. Podemos aprender que se uma compra ou um novo emprego nos traz felicidade, estes são frutos de nossos esforços e não são a felicidade propriamente dita, pois se os perdermos, poderemos manter recursos de saúde psíquica capazes a novas conquistas.

          A felicidade também significa estarmos bem ajustados frente a nossos medos a angústias, mas isto requer que pensemos sobre nossas experiências e as analisemos. Como resultado destas reflexões, poderemos encontrar respostas mais acertadas e que poderão servir de base para ações futuras muito mais seguras.

          Se os momentos festivos prestam-se para a revitalização como uma injeção de ânimo, devemos ter claro que podemos nos permitir muito mais do que isto, não depositando nossas alegrias apenas em eventos externos com data e hora marcadas.

César Augusto – psicólogo

* publicado em fevereiro de 2019