Na mitologia grega, Nereu é um deus marinho primitivo representado como um personagem idoso  o velho do mar. O seu reino é o Mar Egeu (uma baia do Mediterrâneo) e ele foi conhecido por suas virtudes e por sua sabedoria. Consta na literatura que ajudou a vários heróis, inclusive  Hércules quando de seus 12 trabalhos, o qual, sempre conseguia reconhecê-lo mesmo quando mudava de aparência. Vivia nas profundezas do mar e era capaz de assumir qualquer forma, bem como sabia tudo o que havia para se saber, além de conhecer todos os segredos. Foi um dos mais antigos seres mitológicos, mas, por volta do século 5 a.C., perdeu seu papel como deus dos mares pois passou a ser representado por Tritão ou Poseidon após Zeus (o maior dos deuses) destronar Cronos. Hesíodo (800 a.C), um dos maiores poetas gregos assim definiu o deus Nereu: “Era bondoso, gentil, justo, sincero e nunca mentia, o protótipo do bom velhinho. Mas não era fácil chegar a ele…”

          Busco esta figura mítica para chamar a atenção de que, mesmo sendo um idoso, foi um deus de muita importância e poder. Agora, dá para imaginar este deus, velhinho, dependendo de outras pessoas para poder cumprir seu papel mitológico?

         Trago esta reflexão pelo seguinte motivo: a maior preocupação, o maior temor de uma pessoa idosa, é o de perder a sua autonomia, tornar-se dependente de alguém. A dependência, para um idoso, pode ser desde a complexidade para acessar algumas funções em um televisor (ou um aparelho celular) até para as coisas mais básicas que fez por toda a vida, como manter sua higiene, vestir-se e alimentar-se. Junto a isto, vem a vergonha de “tornar-se um peso” aos outros, transformando-se em sentimento de inutilidade, o de vir a ser aquilo que não tem utilidade alguma, uma pessoa sem serventia.

          O cuidado com a saúde do idoso, de todas as formas, tem sido uma preocupação cada vez mais abrangente da OMS (Organização Mundial de Saúde) a qual vem destacando várias maneiras de prevenção e de bem estar. Porém, o envelhecimento é um processo natural cuja qualidade não depende tão somente de cuidados pessoais, pois doenças genéticas, fatores sociais e econômicos, acidentes, estrutura psíquica (ou carência desta) são também determinantes. Vamos encontrar no envelhecimento – na maioria das vezes – manifestações de doenças, sendo as mais frequentes incontinências, imobilidades, instabilidade postural, incapacidade cognitiva ou comunicativa, iatrogenia ( estado de doença com efeitos adversos/complicações causadas ou resultantes do tratamento médico), as quais, se, associadas às dificuldades de suporte por parte da família (seja de ordem assistencial ou financeira) fatalmente levarão o idoso a um estado de dependência.

          Simbolicamente, os idosos de nossos dias continuam a enfrentar hidras de 7 cabeças, medusas e sereias apresentadas nas formas de dificuldades e burocracias dos sistemas e planos de saúde, nos preços de remédios, de exames e de consultas médicas. Ante esta realidade, cabe à família (ou cuidadores) a sensibilidade para o momento de vida de seu tutelado: há ali um ser humano com uma experiência de vida o qual, se estiver passando por uma condição de dependência seja física ou emocional, pode estar necessitando uma atenção especial. Escutá-lo, respeitar suas emoções, sentimentos e necessidades, é o mínimo que se pode fazer neste momento.

César Augusto – psicólogo

Artigo publicado em fevereiro de 2024