“O perdão é um catalisador que cria a ambiência necessária para uma nova partida, para um reinício”

Martin Luther King

          É muito comum na cultura brasileira que a palavra perdão seja frequentemente associada a um sentido religioso, o que está correto. Porém, de acordo com o Dicionário Aurélio, trata-se também de “…uma renúncia às consequências punitivas que se entendam justificáveis para transgressões a preceitos jurídicos, morais ou afetivos vigentes”. É sobre o aspecto afetivo do perdão que escrevo.

          Em sua obra O poder do perdão o psicólogo americano Frederic Luskin realiza um estudo sobre a influência do perdão no bem estar e na saúde como um todo das pessoas. Em uma abordagem com bases e critérios científicos realizou pesquisas e experimentos inicialmente na Universidade Americana de Stanford e, posteriormente, em um projeto na Irlanda do Norte entre católicos e protestantes vítimas de violências atrozes decorrentes da crise política que assolou aquele País por mais de trinta anos. Mortes, torturas, desaparecimentos de pessoas queridas, humilhações físicas e morais desencadearam uma série de traumas psíquicos nos sujeitos da pesquisa. Em síntese, dos resultados do acompanhamento do seu projeto, algumas das conclusões foram as de que o aprendizado do perdão reduziu significativamente a quantidade de sintomas físicos (insônia, úlceras, gastrites, dores de cabeça entre outros) que o grupo sentia, promoveu melhoras na qualidade de vida e gerou novos posicionamentos de otimismo com relação ao futuro para muitos dos participantes.

          A capacidade de perdoar pressupõe e amplia as possibilidades de escolha. Perdoar e perdoar-se andam juntos, requerem a renúncia das supostas onipotência e onisciência (uma espécie de orgulho) atribuídas a si próprio e ao outro. Perdoar-se por seus erros, numa dimensão justa, resulta do abandono das pretensões narcísicas geradoras de culpas, de necessidade de castigo e sentimentos de vergonha que chegam a aniquilar todo o ser. Perdoar, segundo alguns autores, “é despregar-se qualitativamente do passado”. Todavia perdoar não é esquecer, é também aceitar o passado como passado – que não pode ser desfeito – mas que pode se tornar mais leve, como acontece em todo processo de luto. Perdoar requer ainda alguma superação do ressentimento revanchista, o que só se faz com esforço e tempo, não pelo atalho de um impulso súbito.

          Porém, abrir mão do lugar de eterna vítima acarreta o risco de reconhecer os próprios erros, os malefícios cometidos contra outros e não se perdoar. É no trabalho psicoterápico que se encontrará amparo para a avaliação desta condição. O filósofo Sartre diz que somos os autores de nós mesmos, desta forma, o roteiro que traçamos para nossas vidas pode ser reescrito a qualquer momento e um novo desfecho pode ser dado àquelas questões que nos tiram o sono, que nos impedem de sermos nós mesmos ou nos limitam em nossas vivências e relações. Àquilo que nos entristece.

          O que é perdoar e o valor do perdão têm uma conceituação diferente para cada sujeito. Como psicólogo, é preciso analisar cada pessoa em sua individualidade ímpar, o peso que têm sobre ela suas singularidades éticas, as concordâncias e divergências com os valores e critérios coletivos de julgamento, os determinadores inconscientes de seus funcionamentos e condutas. Feito isto, a assertiva em epígrafe de Martin Luther King – mais jovem recebedor de um prêmio Nobel da Paz – se torna efetiva: criadas as condições para um novo começo, o processo psicoterápico surtirá efeito e um novo sujeito perceberá o mundo com outros olhos. Que sejam olhos de esperança e de felicidade.

César Augusto – psicólogo

*publicado em janeiro de 2017

 **Lei 13.473/2017 instituiu o Dia Nacional do Perdão, a ser celebrado anualmente no dia 30 de agosto.