“Não quero ficar na tua vida como uma paixão mal resolvida,

dessas que a gente tem ciúme e se encharca de perfume,

faz que tenta se matar…”–Paixão, Kleiton e Kledir

         Todo mundo já teve o seu momento “e se…”, aquele que permite-nos imaginar um resultado diferente para um acontecimento de nossas vidas. Vale para tudo: relações de amizade, trabalho, família, namoro… tudo mesmo! Se as coisas tivessem acontecido de outra forma, talvez o relacionamento não tivesse terminado, o emprego continuaria existindo, teríamos passado no concurso, ganho na loteria e por aí afora. Bem, pensar nas possibilidades que não aconteceram é um exercício de reflexão e pode servir de aprendizagem para acontecimentos futuros, o que não vale, é ficar vivendo um eterno arrependimento como o de quem fez escolhas erradas.

         O verso acima – da música Paixão – nos apresenta alguém preocupado em tomar a melhor escolha. Conseguirá? O Filme “45 anos” (2015) rendeu alguns prêmios na Europa e a indicação ao Oscar de melhor atriz a Charlotte Rampling e tem a seguinte sinopse: “Falta apenas uma semana para o 45º aniversário de casamento de Kate Mercer e o planeamento da festa está a correr bem. Mas, entretanto, chega uma carta para o seu marido. O cadáver do seu primeiro amor foi descoberto congelado e conservado nos glaciares gelados dos Alpes Suíços. Quando chega a altura de celebrar o aniversário de casamento, cinco dias mais tarde, talvez já não haja casamento para festejar.” Haverá a festa?

          Na trama, um relacionamento que dura 45 anos é abalado pela notícia a apenas cinco dias antes da comemoração; muitas questões povoam a mente do casal, ao ponto de a mulher perguntar ao marido sobre “se” teria acontecido seu casamento caso não tivesse ocorrido o acidente. Era evidente para a esposa de que o relacionamento dele fora antes de se conhecerem, portanto, como poderia estar com ciúmes de uma pessoa morta a quase meio século? Acontece que não se trata de ciúmes, mas sim, de pensar que “se” a morte não tivesse ocorrido tudo poderia ter sido diferente, tudo o que ela viveu em casal e tem por lembrança, não teria acontecido. É o medo do que não aconteceu.

         Quantas vezes nos percebemos pensando sobre impossibilidades, sobre coisas que não aconteceram? Se imaginarmos que perdemos algo, poderemos estar assumindo uma condição de infelicidade ou de quem não gostou do resultado e nem de suas próprias escolhas! Mas ainda que a escolha tenha sido do outro, alheia à nossa vontade, ela aconteceu; ficar imaginando como seria se não tivesse sido assim, dá no mesmo.

         Que possamos pensar mais antes de nossas decisões, lembrarmo-nos de que uma escolha implica em muitas vezes abrir mão de outras coisas e que não poderemos ter tudo. Sejamos mais gratos com o que temos, com a vida que levamos, com as possibilidades que surgem, buscando sempre um crescimento moral e intelectual que nos propiciem decisões maduras e com menores chances de arrependimentos. Vivamos o mundo real.

César Augusto – psicólogo

*publicado em maio de 2022