Enquanto escrevo este texto (falta uma semana para encerrar o mês de março) estamos nos primeiros dias de medidas ditas de isolamento social, onde a orientação mais ouvida é a de que devemos permanecer em casa. Ocorre que, absurdamente, algumas pessoas negam a realidade num faz de conta de que esteja tudo bem. Uma enxurrada de mensagens confunde a mente de quem as vê: num momento fortes argumentos e dados estatísticos apontam para o caos de uma pandemia, noutro, minimizam banalizando o vírus e as recomendações das autoridades. Já não é possível acreditar na veracidade de uma informação; a infantil bipolaridade política que há tempos assola o País enaltece o partido X e acusa o partido Y; teorias conspiratórias das mais estapafúrdias atribuem a um povo a criação do vírus com o propósito de obter vantagens de poder e econômicas. E como sobreviver psicologicamente em meio a isso tudo?

         Algo nunca antes visto nesta proporção muda radicalmente nossas vidas: somos impedidos de ir ao trabalho, de visitar nossos pais e avós, de nos cumprimentarmos até mesmo com a formalidade de um aperto de mão (nem se cogita mais um abraço afetuoso ou beijos de cumprimentos), e, pasmem gaúchos de todas as querências: até aquele chimarrão que encontramos na oficina, no escritório, na casa de um amigo não é mais recomendado.

          As ruas esvaziaram, bares, restaurantes, shoppings, tudo fechado, apenas serviços essenciais movimentam-se entre um ou outro ponto da cidade. Não temos mais como fugir de um encontro com o nosso Eu. Se por um lado passamos anos a fio dizendo estarmos numa correria, pretextando nossas omissões unicamente por falta de tempo, agora tempo é o que nos sobra. E é aí que mora o perigo: a esta reclusão forçada deram o nome de isolamento social. Mas eu sempre ouvi dizer que o homem é um ser gregário, que foi por viver em grupos é que a sociedade foi desenvolvida, e, agora, querem que eu me isole?

         É preciso, neste momento de reflexão, que analisemos nossas relações ditas “sociais”. Por onde andou a vontade que tenho agora de estar na casa de meus pais? A de brincar com meus filhos? A de valorizar a natureza e/ou de sair caminhar? A vontade de viver?

          Do que tenho lido nestes dias há uma unanimidade: passado o momento crítico, sairemos diferentes. Que esta diferença seja para melhor, mais humanos, mais preocupados com o próximo, mais conscientes de que ao contrário de um isolamento o que precisamos é de envolvimento social. Uma grande alma disse numa ocasião “Só é solitário quem não é solidário”. Findo o período crítico, a escolha em mantermo-nos solitários é unicamente nossa.

César Augusto – psicólogo

* texto publicado em abril de 2020